sexta-feira, fevereiro 24, 2006

"Se você realmente quiser, você consegue"

Nada acontece por acaso. Quem hoje acompanha pela internet o sucesso dos irmãos Kiko e Felipe Perrone, jogadores que cada vez mais se firmam como grandes talentos, levando à frente seus times (respectivamente Barcelona e Barceloneta) e a seleção espanhola, talvez não imagine a dureza do caminho para chegar ao nível que chegaram.

Alguém já disse antes que o caminho se faz ao caminhar. Kiko e Felipe aprenderam cedo que têm responsabilidade sobre o próprio destino, lembrando sempre a lição que soava como um mantra: “se você quer ser o melhor, treine mais do que os outros”.

O autor da frase (ou pelo menos quem a repetia sempre), também assimilada pela irmã Roberta, nadadora acostumada aos títulos, não foi um ditador com métodos espartanos. Foi o engenheiro e desportista de múltiplos talentos (sei que você não gosta disso caro Ricardo, mas essa ainda é a minha impressão e acho que vai ser difícil mudar) Ricardo Perrone.

As colunas de Ricardo Perrone no http://www.poloaquatico.com.br/ enxergam o atleta de uma forma mais ampla, holística, plena, contextualizada, que visa o rendimento através de outro ensinamento imprescindível: se o caminho se faz ao caminhar, o maior incentivo é o prazer que se tira de cada passo. Não é a toa que todos na família sejam campeões. Eles nunca deixam de ser divertir com o que fazem.

Pólo Ceará - Uma curiosidade que sempre tive: como você conseguia tempo para chegar a um nível de excelência em esportes diferentes, dar atenção à família (com 3 filhos!), trabalhar e estudar?
Perrone – Em primeiro lugar, essa história de nível de excelência é bastante relativa. Se você não pratica o esporte ou somente treinou por algum tempo, qualquer jogador de time adulto lhe parecerá que está em alto nível. Cansei de encontrar pessoas que ao saber que eu jogava pólo me diziam: “Ah! Então você deve conhecer o Fulano que treinou na seleção brasileira Junior? O cara jogava muito” Na maioria dos casos era algum garoto talentoso de nível médio que foi convocado, foi cortado e parou logo em seguida de jogar, sem chegar a ter sido um craque, mas para o cara era uma referência.

Resumindo: Nível de excelência, em termos de Brasil, eu só atingi no pólo aquático e na década de 70, quando joguei na seleção e fui capitão de 76 a 79. Em termos internacionais fiquei bem longe da excelência, infelizmente. Os demais esportes sempre foram só uma diversão para mim. Quanto ao tempo para dar atenção a diversas coisas é uma questão de querer e se organizar. É lógico que algumas vezes pode ser bem difícil. Já cheguei a passar 10 anos tendo aula particular de francês e alemão na hora do almoço, porque queria aprender e era a hora disponível. Ou a treinar duas semanas em uma piscina de 5m de comprimento, com o pé preso a um elástico amarrado na escada, porque tive de ir a um seminário de trabalho em Itaipava, logo antes de um campeonato brasileiro. Mas se você realmente quiser você consegue.

Quanto à atenção à família, o mérito maior é mesmo da minha mulher, que além de aturar o monte de amigos malucos que fiz no esporte, sempre teve um gás incrível para acompanhar minha filha nos horários mais absurdos de treinamento de natação e sair rodando pela cidade o dia inteiro para levar os meninos à escola, cursos e clubes. Fora isso, não conheço maneira melhor de acompanhar o crescimento dos filhos do que praticar esporte com eles e seus amigos.


Pólo Ceará – Já vi fotos suas surfando e como mergulhador, e sei que você treinou com o Carlson Gracie na época em que isso era sinônimo de ser casca grossa. Dá para você descrever o que você alcançou em cada modalidade esportiva praticada?
Perrone - Como já disse na resposta anterior, esses esportes sempre foram uma diversão para mim e não competição. Na caça submarina, cheguei a ganhar alguns troféus em 1963 e 64, mas depois cheguei à conclusão que pegar peixes para competir não é uma coisa muito legal, além de extremamente perigosa, e preferi me limitar à pescaria como meio de comer peixes frescos e de qualidade.

No surf também nunca tive vontade de ser competidor, pois perderia aquele sensação indescritível de integração com o mar e o movimento das ondas para ficar na paranóia de fazer manobras melhores que os outros e disputar cada onda com a faca nos dentes como a garotada competitiva faz. Nesses últimos anos, participei de alguns campeonatos de longboard na categoria super legends (mais de 50 anos) e cheguei a ganhar o Festival da Petrobrás nessa categoria em 2002, mas aí o clima é totalmente diferente e vira uma festa.

No jiu-jitsu, a história é diferente. Comecei com o Reyson Gracie em 73, depois treinei com Rolls Gracie até a faixa marrom, no início dos anos 80, quando ele morreu. Voltei a treinar com o Carlson, recebi dele a faixa preta em 87 e continuo dando uns treininhos em sua academia quando há uma folga no pólo. Em termos de competição o que aconteceu foi que nunca pude treinar pesado porque o risco de contusão era grande e, além disso, os esforços de tração que são feitos no jiu-jitsu me deixavam muito travado para nadar e chutar no pólo. Por isso só treinava nos intervalos entre temporadas de pólo e lutei muito poucas vezes, sempre em grande desvantagem de preparo físico específico. Como Senior, cheguei a ser campeão carioca, brasileiro e mundial, mas aí a história se invertia, pois os lutadores da minha idade é que não tinham o menor preparo físico.

Agora, tem também as historinhas, isto é, como participei dos primórdios desses três esportes, sempre tem alguém que ouviu falar de alguma onda, peixe ou treino, contou para outro, que contou para outro e quem conta um conto aumenta um ponto. Por isso, hoje em dia, fico no maior constrangimento quando alguém conta uma história super exagerada a meu respeito e ainda me pede para confirmar, me deixando na situação desagradável de não fazer o amigo passar por mentiroso nem assumir coisas que nunca fiz. Mas, tudo bem, depois eu conto em casa para minha mulher e os filhos e eles morrem de rir.

Pólo Ceará – Você descreveu em um artigo um gol de inglesa do Aladar Szabo do meio de campo. Todas as gerações seguintes à sua só o conhecem pelo mito que se criou. Ele foi o melhor jogador que você já viu atuar?
Perrone - Essa história de melhor jogador acho que o Kiko definiu muito bem na entrevista que deu para seu blog. Na verdade, eu falo no artigo que só vi essa partida do Szabo e que foi contra um time do Guanabara cheio de garotos. Eu também só o conheci como mito, pelas histórias que o pessoal mais velho contava. A impressão que me passaram é que ele foi extraordinário como goleador, mas que, em termos internacionais e como jogador completo, outros de sua época teriam sido melhores. O que sei é que era um cara super simpático e que sempre conversou comigo, na época que era técnico do Paulistano, com a maior atenção e carinho. Uma pena que morreu tão novo, pois ainda tinha muita coisa para nos ensinar.

Pólo Ceará – Há quantos anos você joga Pólo Aquático? Por tudo que você já viu, há mais motivos para desanimar ou para acreditar em dias melhores?

Perrone – Comecei em 1964, no Guanabara. São 42 anos, portanto. Sou otimista, por convicção. Hoje temos muito mais condições de infra-estrutura e recursos tecnológicos para melhorar do que há 40, 30, 20 ou 10 anos. Até pouco tempo atrás, tudo o que se sabia do esporte no resto do mundo era através de comunicação boca a boca quando alguém viajava para uma Olimpíada ou Mundial.

Hoje, além de jogos na TV e site especializados com comentários, fotos e vídeos, você pode conversar e trocar idéias com técnicos de todo o mundo sem qualquer custo. Vocês aí no Ceará podem, por exemplo, filmar um treino de homem a mais, pedir a um técnico no Rio para analisar e dar sugestões e ter a resposta no mesmo dia, para corrigir no treino do dia seguinte. Imagina o que o Amaral teria de ter feito para conseguir algo assim há vinte anos atrás. Agora, o que está faltando mesmo, como diversas pessoas já disseram (o último foi o Pedro Lima, no site http://www.poloaquatico.com.br/), é um planejamento de longo prazo para direcionar os esforços. É como se tivéssemos um carro atolado e um monte de gente para empurrar. Só que cada um empurra em um momento e direção diferentes. E depois fica reclamando e dizendo que fez a sua parte.

Isso vale não só para o pólo como para o esporte em geral. Na última eleição presidencial, me dei ao trabalho de olhar diversos programas de partidos e nenhum deles tinha uma política esportiva. Até hoje, por incrível que pareça, nossos políticos ainda não entenderam que os países desenvolvidos não incentivam o esporte para ganhar medalhas no próximo Pan ou na próxima Olimpíada, e sim para ter uma população mais saudável, mais disciplinada e com melhor qualidade de vida.

Pólo Ceará – Uma pergunta que faço a todo mundo e não iria deixar de fazer logo a você. Quem foram os melhores que você já viu e jogou contra ou a favor?

Perrone – Da época em que eu viajava para jogar (década de 70) o melhor, sem dúvida, foi o De Magistris, da Itália. Treinamos em Roma contra ele e o cara brincava com a gente. Depois, vi na Universíada 77 ele fazer jogadas fantásticas e empatar praticamente sozinho com o poderoso time campeão olímpico da Hungria com Farago, Horkai, Szivos e outros. Agora, nesses últimos 5 anos em que voltei a ver jogos internacionais, há diversos cracaços, como Vusajinovic, Ikodinovic, Sapic, Kiss e Kasas, mas não acho que haja nenhum jogador que realmente desequilibre as partidas consistentemente.

Pólo Ceará – Kiko e Felipe tiveram que sair do Brasil para terem seus talentos aproveitados. Quando você percebeu que seus filhos chegariam a tão alto nível?

Perrone – Bom, com o Kiko foi mais difícil, porque ele estava abrindo caminho, mas já na primeira temporada na Espanha, em que ele foi campeão da Liga e da Copa do Rei e artilheiro da Liga e da Copa LEN, deu para ver que embora ele ainda tivesse muito para aprender, em muitos fundamentos ele já era igual ou superior aos jogadores da seleção espanhola, que tínhamos como ídolos. Depois veio a decepção do Mundial, quando foi absurdamente cortado e vimos que ainda seria necessário quebrar muitas barreiras e preconceitos.

Já para o Felipe, sempre ficou claro que ele estava em um nível muito superior ao dos jogadores de sua idade e o fato de desde os 15 anos estar na seleção adulta do Brasil e de ir passar as férias jogando no Barcelona contra os melhores times do mundo lhe deu uma estrutura muito sólida para poder chegar agora a ser um dos jogadores base da seleção espanhola.

Pólo Ceará – Ser campeão jogando com os dois filhos é uma sensação que pouca gente no mundo vai sentir. Você podia contar como foi?

Perrone – Não só no esporte, como na vida em geral, qualquer conquista em que você tenha se esforçado junto seus filhos por longo tempo para atingir um objetivo é sempre um prazer enorme. Em vários desses campeonatos, como pelo Botafogo em 95 ou pelo Guanabara/Vasco em 2000, eu estava meio “na aba”, pois os times eram fortíssimos e eu só entrava quando estávamos em vantagem, e era preciso diminuir o ritmo e segurar o resultado. Por isso, os campeonatos que lembro como mais gratificantes foram os de 1994, quando quebramos uma série de 10 anos de campeonatos do Flamengo com um time de garotos (Kiko, Beto, Lacativa) e o de 2002, quando o Felipe estava na Espanha e só chegou para jogar a semi-final e final. Nesses campeonatos tive uma participação bem mais importante.

Na realidade, nesse tipo de vitória, o processo, isto é, o treinamento durante o ano, as discussões para corrigir erros e o vínculo que vai se formando dentro da equipe com a melhoria do desempenho, é bem mais importante que o produto final que é ser campeão. Nada diferente de, por exemplo, um vestibular ou uma graduação, em que você estuda junto com seu filho, ajuda a tirar dúvidas nas matérias e depois vê o sucesso nas provas como uma conquista de toda a família. Quer dizer, mesmo que eventualmente não consigamos atingir o objetivo final, só o fato de termos tentado juntos já nos faz campeões.


Pólo Ceará – Daqui de longe a impressão que passa é que há um ciclo difícil de sair. Uns dizem que os atletas não treinam em seus clubes. Outros alegam que falta apoio. Qual é a real do Pólo Aquático brasileiro?
Perrone
– Essa pergunta já foi parcialmente respondida mais acima. Existem muitos problemas pontuais, que podem ser resolvidos pela própria vontade do atleta ou no âmbito do clube e de federações/confederação, mas, como falei, para romper com os padrões atuais do esporte brasileiro (e não apenas do pólo) é preciso uma mudança cultural, que pode ser exigida e incentivada de baixo, por técnicos, dirigentes de clube e atletas do pólo, mas que só pode ser implantada através de uma ação coordenada dos dirigentes nacionais, ou seja, governos federal, estadual e municipal e dirigentes esportivos de alto nível (COB e confederações)

Pólo Ceará - O tamanho do Brasil é apontado como um problema. Será que criar circuitos regionais pode ser uma alternativa?
Perrone
– Claro que sim, mas o que vejo como mais importante é o uso das novas tecnologias que permitem encurtar as distâncias. Não há mais porque os estados fora do eixo Rio-São Paulo ficarem isolados como antes. Por exemplo, o Encontro de Técnicos de Pólo que é realizado anualmente no Rio poderia ter facilmente a participação por tele-conferência de técnicos de todos os estados, com um custo desprezível. A transmissão de jogos também pode passar a ser feita pela Internet sem grandes investimentos. Enfim, em vez de nos queixarmos das distâncias, o negócio é buscar soluções inovadoras.

Pólo Ceará - Existe alguma experiência de sucesso lá de fora que possa ser aplicada aqui dentro na nossa realidade?
Perrone
– Inúmeras. Algumas tão óbvias que não dá para acreditar que ninguém se mexa para aplicá-las. Um exemplo: Na Espanha há uma escola secundária só para atletas (Blume). Nela os atletas moram (se forem de outras cidades), estudam, têm alimentação especial, calendário e horários adequados aos seus esportes/clubes. Dá para imaginar o benefício que um esquema desses traria em um país como o nosso? A possibilidade de faturamento político para qualquer partido que implementasse algo assim parece muito atraente, mas o que se vê são ações no varejo, como as tão faladas bolsa-atleta, muito mais difíceis de fiscalizar e muito mais suscetíveis a desvios de finalidade.

Pólo Ceará - Mesmo com todas as dificuldades você nunca desistiu do Pólo Aquático e, pelo contrário, se tornou um dos maiores conhecedores do assunto. O que o Pólo Aquático significa na sua vida?
Perrone
- Uma das coisas que sempre me perguntam é porque não parei. Minha resposta é que além de adorar jogar, eu detesto academia, musculação e corrida. Então, para manter a saúde, ao invés de pagar para fazer algo que não gosto, prefiro me juntar à garotada (ou velharada, no caso do máster) e jogar uma pelada. Aliás, para quem diz que sai muito cansado do trabalho e não consegue treinar, o que posso garantir é que nas pouquíssimas vezes que tive de interromper a prática de esporte foi exatamente a época em que ficava mais cansado, sem apetite e dormindo mal. Também em época de crise no trabalho, doença na família ou outros traumas, o esporte sempre foi minha tábua de salvação para agüentar o tranco. Uma boa nadada e uma horinha de um bom coletivo substituem qualquer Prozac ou analista da vida. E é mais barato também.

Nas fotos, de cima para baixo, a família Perrone reunida, Ricardo Perrone de backside no "PipeLeme", Ricardo e Felipe em 2002 e direita na Prainha.

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Na minha opinião a melhor estrevista postada no Blog !!! Grande lição de vida !!!
Parabéns a vcs, Hélcio e Perrone !!

24 fevereiro, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Exelente a entrevista com o Perrone. Desde que meu filho resolveu jogar pólo aquático, acompanho a carreira dos Perrones e leio suas colunas. Me preocupo principalmente com a educação do meu filho e claro com seu progresso no pólo tb. E em suas colunas e nessa entrevista ele me dá ótimos argumentos para continuar orientando e ajudando o moleque sem preciona-lo. Meu filho é apenas um jovem atleta do infantil do Fluminense, que eu espero que se ele não chacar nem perto dos Perrones como atletas, que ele pelo menos seja tão dedicado e educado quanto.

Saudações esportivas

Sérgio Moraes

sermor@gmail.com

26 fevereiro, 2006  
Anonymous Anônimo said...

correção CHEGAR

26 fevereiro, 2006  
Anonymous Anônimo said...

DESCULPE BOTEI MEU E-MAIL ERRADO. O CORRETO É sermaraes@gmail.com


sorry

26 fevereiro, 2006  

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