terça-feira, janeiro 24, 2006

"Quase todos os jogadores que formei em 12 anos de carreira pararam"


Quando começamos o movimento de Pólo Aquático em Fortaleza, há poucos meses, nossa maior preocupação foi a de trazer clínicas para formar treinadores e árbitros. O André “Quito” Raposo, na época preso às competições de fim de ano, o ex-jogador Alexandre Cândido e o Dirceu, master que treina aqui com a gente, me sugeriram, entre outros nomes, o do treinador Silvio Teles. Como era de se esperar, a dica foi boa.

Silvio é mestre em Educação Física (com mais três especializações na área), professor de diversas instituições de nível médio e superior e, como técnico do Fluminense, já conquistou inúmeros títulos regionais e nacionais do infantil ao junior. A entrevista ficou grande, mesmo assim fiz questão de não cortar nada, porque conhecimento nunca é demais.

Ficamos ansiosos no aguardo pelo lançamento do livro, um importantíssimo documento na escassa literatura que preserva a história e formará novas gerações do Pólo Aquático brasileiro.

Pólo Ceará - Você está lançando um livro sobre Pólo Aquático. Qual a abordagem?
Silvio - O livro está para ser concretizado há muitos anos. Contudo, com a vida cheia de prioridades, o livro foi sempre deixado de lado. Acredito que esse ano ele consiga sair da gaveta. Ele tenta mostrar um versão do surgimento do pólo aquático até os dias de hoje. Superficialmente em âmbito mundial e detalhadamente nacionalmente. Em nível Brasil, vou desde os banhos de mar até os dias atuais. Também tem uma função arquivista. Todos os campeonatos brasileiros, paulistas, cariocas, sul-americanos, pan-americano, mundiais, copa Fina e Jogos Olímpicos. Isso tudo no masculino e quase tudo no feminino. Também vou colocar aproximadamente 150 educativos iniciais para aqueles que estão tentando dar início a um trabalho.

Pólo Ceará - Aquele papo que o húngaro Aladar Szabo quebrava as traves, jogava a bola da piscina ao campo do Fluminense, tudo isso é folclore ou fato?
Silvio - Em minha dissertação de mestrado, discuto a influência da Szabo na construção da identidade do jogador de pólo aquático. Quebrar traves, era um fato que poderia ter acontecido devido a bola pesar muito mais do que a que usamos hoje, principalmente depois de encharcada. Além disso, muitas balizas poderiam não estar em boas condições. Contudo , não podemos esquecer que Aladar detinha um chute sem proporções para época.
Jogar a bola da piscina do Fluminense para o campo, assim como arremessar a bola do Guanabara para o Botafogo, são fatos muito comentados, mas em nenhuma das minhas entrevistas (e olha que não foram poucas), todos conheciam essas histórias, mas ver mesmo, ninguém viu.



Pólo Ceará - Como Szabo chegou ao Brasil e o que mudou no Pólo Aquático brasileiro?

Silvio - Muitos dizem que ele veio para o Brasil por ter ouvido falar da alegria do povo brasileiro e ter visto Garrincha jogar na Hungria. E, realmente, o Botafogo realizou muitas excursões pela Europa na década de 50. Ruy Castro, em seu livro Estrela Solitária: um brasileiro chamado Garrincha (1995), confirma que o Botafogo jogou na Hungria, no dia 22 de abril de 1956, contra um time local chamado Honved-Kimitz – que, curiosamente, venceu de goleada o time da “Estrela Solitária”, com Mané Garrincha e tudo, por 6 a 2. Szabo tinha ido para Itália, fugindo da invasão soviética ao seu país. Isso é fato.

Dizem também que ao arrumar uma discussão de trânsito com um italiano, já que jogava em um time da itália chamado Rari Nantes, agrediu seu desafeto, mas descobriu depois que o indivíduo era delegado. Optou por escolher o Brasil, dentre outros convites. O convite foi feito por João Havelange, então Presidente da CBD ( fato esse confirmado em entrevista). Aladar Szabo chegou ao Rio de Janeiro em 1959, pelo navio “Conte Grande”, sendo recebido por Edson Perri (Barriga), que futuramente seria seu técnico na seleção brasileira e no Botafogo.

Mais tarde Szabo foi apresentado ao Fluminense, que detinha a melhor equipe de Pólo Aquático da época. Szabo deveria apenas dirigi-la; porém, devido à sua exemplar forma física, acabou por integrá-la como jogador, permanecendo em Laranjeiras (sede do Fluminense) de 1959 a 1961. Curioso que o próprio Szabo viria a quebrar uma invencibilidade do tricolor carioca que já durava 9 anos . Ao se transferir para o Botofogo em 1961, venceu o “invencível” Fluminense por 2 x 0, convertendo os dois tentos.As mudanças foram significativas. Szabo representava o que havia de melhor em termos de técnica e tática no pólo aquático mundial. Vinha do país do pólo aquático. A Hungria havia conquistado até essa data os jogos olímpicos de 1932, 36, 52, 56.

Sua influência foi significativa , tanto nas questões supracitadas, como também no tocante à sua conduta. Não podemos esquecer que o pólo aquático tem características machistas, como até hoje o futebol carrega consigo tal estigma. A mídia adorava citar seus feitos, verídicos ou não e atrela-los a uma imagem violenta. Veja alguns exemplos:

“Fluminense saiu do torneio por medo de Szabo” – Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 9 nov. 1962.

“A violenta história de Szabo” – Jornal da Tarde, Rio de Janeiro, 20 abr. 1972.

“Era bom de bola e de briga” – Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 14 out. 1982.

“Agressão e sangue na piscina” – Revista do Esporte, Rio de Janeiro, 27 jul. 1962.

Para fazer parte do grupo um candidato a jogador de pólo, mesmo que inconscientemente, deveria agir de forma similar. Talvez por esse motivo, mas não só por esse, o pólo aquático era tão violento. Cabe destacar que atualmente não mais se configura assim nosso esporte. Devido às regras, não dá mais tempo de existir tanto atrito como antigamente, que nem tempo de posse de bola existia .

Pólo Ceará - Que brasileiros você poderia destacar como pilares do Pólo Aquático brasileiro em suas respectivas épocas?

Silvio - Eu tenho a minha seleção de todos os tempos. Aliás, como muitos devem ter. Não dá para comparar épocas. Voltemos ao futebol. Em minha opinião o Pelé seria hoje também o melhor do mundo. Talvez seus feitos acontecessem em menor número por um sem número de fatores, como por exemplo, a condição física que permite um poder de reação maior, e também plagiando Garrincha, o número de “Joões” em todo o mundo diminuiu significativamente. Só para ilustrar, um jogo entre Brasil e Japão há 50 anos atrás teria um número de apostas por goleada enorme. Atualmente, apesar de sermos favoritos, não acreditamos em placares tão elásticos.

A difusão da técnica, tática, a facilidade de propagação de informações, um enorme número de técnicos, atletas que jogam no exterior, acabou por internacionalizar o futebol brasileiro. Ainda somos os melhores, mas acredito que não tão melhores. Agora , imagina colocar o Ronaldinho Gaúcho com sua preparação física e acostumado a ser caçado em campo e a reagir a jogadores muitas vezes treinados somente para marcá-lo, com um futebol que vê a velocidade aumentar exponencialmente, ser marcado por atletas da década de 50 com o futebol sendo jogado como era...imagina o que aconteceria.

Não existem comparações. Cada um foi craque em sua época e ponto final. Por isso, escolher os melhores com as peculiaridades históricas distintas é impossível, além de desleal. Por isso, optei por escolher, os atletas que mais se destacaram em entrevistas, jornais e em minha própria opinião de pesquisador da área. Ratifico, não são os melhores e sim aqueles aquém presto uma homenagem. Outros também mereceriam estar aí, contudo só poderia escolher um time. Tentei escolher por posição.

Goleiros- única exceção que fiz. Escolhi dois .( 1) Luís Daniel ( meados da década de 50 e 60) Campeão Pan-americano e (13 )André Cordeiro , vulgo Pará.

2)Abrahão Salituri (integrante da Seleção Brasileira em 1920, Antuérpia)

3)Carlos Castelo Branco (integrante da seleção brasileira em 32, Los Angeles)

4)Márvio Kelly – (Campeão Pan-americano, integrante da seleção brasileira, 1952, Helsinque, 1960 Roma e 1964 Tóquio)

5)Aladar Szabo (Campeão Pan-americano, integrante da seleção brasileira, 1964 Tóquio)

6)Pedro Pincirolli (integrante da seleção brasileira, 1964 Tóquio e 1968 México)

7) Carlos Eduardo Carvalho( integrante da seleção brasileira em 1984, Los Angeles)

8)Erik Borges( integrante da seleção brasileira em 1984, Los Angeles)

9) Mário Eduardo Souto, (o Duda, integrante da seleção brasileira em 1984, Los Angeles)

10)Fernando Carsalade ( integrante da seleção brasileira em 1984, Los Angeles)

11) Daniel Mameri

12) Ricardo Perrone ( vulgo Kiko)

Pólo Ceará - Como foi o título pan-americano de 1963? será que teremos chances de repetir o feito em 2007?

Silvio - A equipe treinava no Pinheiros sob o comando do técnico Claudino Caiado. Os jogos foram todos na Piscina do Palmeiras, tendo o último jogo um empate 3 x 3 com os EUA. O Brasil foi campeão por ter perdido apenas um ponto na competição, enquanto os norte-americanos 5 e os argentinos 8. O artilheiro da competição foi Aladar Szabo com 24 gols. As seleções que participaram e sua colocação final : Brasil, EUA, Argentina, Canadá e México. Participaram da equipe brasileira Campeã Pan-Americana de 1963: Luís Daniel - Ivo Carotine - Paulo Carotine (Polé) - Adhemar Grijó - João Gonçalvez , Aladar Szabo - Marvio Kelly dos Santos - Luís Eduardo Lima( Liminha) - Flavio Rato ,Luís Del’pichia e A. Valim Técnico : Claudino Caiado.

O Pan-Americano de São Paulo foi excepcional. Tínhamos excelentes jogadores, a se destacar Márvio, Szabo e o goleiro Luis Daniel . Vencemos os EUA na primeira fase e o empate serviu para a conquista do título inédito até hoje (infelizmente).

Para o Pan de 2007, acho complicada a repetição da façanha. Historicamente os EUA sempre levaram vantagem, além de ter uma estrutura excelente. Agora o Canadá está também com uma estrutura melhor que a nossa. Para piorar, perdemos a vaga para o último mundial para Cuba, que vinha desaparecida, mas que tem um regime de treinamento intenso. Se o Pan- Americano fosse hoje, brigaríamos pelo bronze. Como é daqui a um ano e meio, se acontecer algo que beneficie a nossa seleção, com certeza, voltaremos a vencer o Canadá e teríamos um boa chance contra os EUA, principalmente por estarmos em casa.

Pólo Ceará - Como você classificaria o momento atual do Pólo Aquático brasileiro em relação à sua história. Há evolução?

Silvio - Em termos de conquista, senão retrocedemos, no máximo nos igualamos a outras épocas. Não vamos às Olimpíadas desde 1984 e, mesmo nessa, fomos por causa do boicote. Mas também, se analisarmos sobre esse aspecto, as eliminatórias para os Jogos Olímpicos do passado ou não existiam ou eram decididas internamente pelo presidente da então CBD. Em termos de resultados, continuamos perdendo para quem perdíamos e ganhando de quem ganhávamos. Com exceção de Cuba, que VÍNHAMOS ganhando nos últimos anos, e antigamente éramos fregueses de carteirinha. De resto, continuamos próximos das mesmas posições em nível mundial . Eu diria no terceiro bloco.

A evolução existe, no tocante ao intercâmbio, que devido ao aumento de jogos internacionais, estamos mais próximos de descobrir o que falta, além de simples achismo ou opiniões extremamente empíricas.

Pólo Ceará - O Ricardo Perrone sugere que alguém estude o movimento do chute para que os brasileiros possam ficar mais atentos à técnica e se igualar ao europeus. Existem muitos estudos disponíveis sobre os movimentos específicos do Pólo Aquático e seu desenvolvimento?

Silvio - Existem poucos estudos nesse campo, principalmente em nível Brasil. Sendo o Pólo Aquático pouco divulgado e praticado, menos acadêmicos se interessam em estudar os movimentos pertinentes ao nosso esporte. Aí entra estrutura. Se os órgãos responsáveis tivessem verba para isso, acho que não faltariam interessados.


Pólo Ceará - Você é treinador de Pólo Aquático. A nossa deficiência começa na formação dos jogadores ou o problema é posterior? No Brasil se treina a quantidade necessária de fundamentos?

Silvio - Não acredito que o problema esteja na formação. Devemos perceber que os tempos são outros e a oferta de atividades esportivas aumentou demais. Esporte com mais visibilidade carreiam mais adeptos. Isso é fato. Da quantidade a possibilidade de se tirar qualidade é grande. Atletas nossos vão jogar no exterior e nada deixam a desejar, basta uma estrutura digna que permita dedicação. Não chego nem no profissionalismo, mas em uma estrutura que permita um real crescimento e não investimentos sazonais que têm caráter imediatista.

Quando jogamos com times de base até juvenil, o jogo é bem parelho. Quando chega do Junior para cima, pesam diversos fatores, que não só a formação. Um calendário adequado, jogos internacionais de nível, investimento dos órgãos competentes e dos clubes, que adotam times competitivos servindo de espelho para os mais novos e também para a mídia. Podemos até não nos dedicar como devíamos, mas esperar de garotos uma percepção de um futuro de glórias baseado em um esporte “ secreto” é querer demais.

Somente aqueles que de fato queiram muito, e mesmo esses, esbarram nas cobranças da vida para sua sobrevivência. Somos poucos e esses poucos têm que se tornar bons. E com tudo isso, às vezes conseguimos.

Pólo Ceará - Dos jogadores que você já formou, muitos desistiram?

Silvio - Quase todos, e já trabalho como técnico há 12 anos. O processo seletivo é duro e às vezes não dispomos de 13 em cada categoria. Os reservas têm que ser muito perseverantes. Os titulares têm que resistir ao tempo e aceitar perder o posto de uma categoria para a outra (fato esse comum, devido à idade). Por sermos poucos clubes, a busca por um lugar ao sol é difícil levando muitas vezes ao abandono prematuro. De um time de 13 que começam no infantil chegam ao adulto e integram o grupo uns 2 ou 3 no máximo.

Pólo Ceará - Quando e onde poderemos comprar o livro?

Silvio - Ainda não sei, mas disponibilizo meu e-mail para futura aquisição.

Nas fotos Silvio e duas de suas equipes vitoriosas no Fluminense e, no detalhe, o craque Aladar Szabo.


4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Grande Silvio,
parabéns pela excelente entrevista e pelo livro, que espero que saia em breve, e obrigado pela aula de história do pólo. Muito bacana.

24 janeiro, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Nossa, viajei no passado lendo essa entrevista, muito legal ne.. E quanto tempo de história, me fez pensar de que se faz um atleta. Tem que aceitar os treinos, as vitorias e as derrotas.. E quando se está quase lá, não se deve desistir e sim tentar, ao menos..
Em relação a "machismo", infelizmente é algo que o nosso país ainda sustenta, não apenas no Polo mas em muitas outras atividades; uma menina fazendo polo aquático? Bom, espero que o nosso esporte cresça, que venham mais meninas e que saibamos aproveitar a chance de divulgar a quem se interessar.

ps: filosofei.. hihihi =P

24 janeiro, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Olá, meu nome é Cidalia Castro, sou filha de Claudino Caiado, o técnico de polo aquático citado na matéria do Silvio Telles. Gostaria, se possível, que vocês me fornecessem o email do Silvio, ou fornecessem meu email a ele, pois gostaria de saber sobre o livro e trocar informações...

Grata,

Cidalia Castro

cidaliacastro@gmail.com

28 fevereiro, 2007  
Anonymous Anônimo said...

Olá. Gostaria de saber como posso obter mais informações sobre o livro citado do Silvio Telles.
Urgente!!!

Obrigada.

Ana.

22 maio, 2007  

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