" É necessário cobrar e exigir ações mais efetivas sim, mas temos que ser coerentes e fazer a nossa parte primeiro, da melhor maneira possível"
Quando aqui de longe leio matérias sobre o Beto Seabra, percebo que ele não é capitão da seleção brasileira à toa. As entrelinhas de tudo o que se escreve sobre ele têm embutido um respeito camarada, espontâneo. As respostas de Beto nessa entrevista apenas ratificam o que eu havia observado. Com a palavra, o capitão.
Pólo Ceará - O sul-americano foi um bom teste para sentir como estava a equipe
brasileira? Como foi o desempenho na sua opinião?
Beto - Esse foi o primeiro campeonato oficial da seleção com as novas regras, e serviu pra gente ter uma idéia do que temos que fazer pra nos ajustarmos a essas mudanças da maneira mais eficiente. Em relação ao desempenho, eu acho que de maneira geral foi bom. Nós conseguimos impor um bom ritmo nos jogos mais importantes e ganhamos de maneira convincente.
Pólo Ceará - Pelas opiniões que tenho visto os resultados do Pan 2007 parecem meio definidos na cabeça das pessoas. Qual a sua expectativa e como está sendo a
preparação?
Pólo Ceará - Estatisticamente, os resultados da seleção em grandes competições não têm sido dos melhores. Falta de bons jogadores não é. Onde começa o problema do baixo rendimento e qual o caminho viável a curto prazo para mudar o quadro?
Beto - Dentre alguns fatores, o problema mais grave é a falta de competições, jogos e coletivos de alto nível. Na Europa, por exemplo, os clubes e os campeonatos nacionais são muito bons. O atleta joga, toda semana, um ou dois jogos competitivos de alto nível, sem contar com os coletivos semanais contra equipes vizinhas. Quando chegam na seleção, os amistosos são apenas
para entrosar e acertar a equipe.
Certamente, a curto prazo, não é possível termos algo parecido aqui no Brasil. No entanto, existem modelos como o dos EUA, que investem numa seleção forte. Seria possível formar um grupo de 18, 20 jogadores que estariam à disposição da seleção e treinariam com a mesma intensidade dos profissionais e viajariam durante o ano todo para os principais centros do
esporte para treinar e competir. Haveria não somente um desenvolvimento da seleção como um estímulo aos atletas a entrarem ou permanecerem nesse grupo, o que fortaleceria o esporte como um todo também.
Mas para isso, seria necessário que fosse dado aos profissionais responsáveis pelo pólo aquático autonomia para gerir e atrair recursos; promover e executar ações. E eles seriam responsáveis pelos planejamentos, pelas metas a curto e longo prazo, viabilizariam o desenvolvimento do
esporte e seriam cobrados e cobrariam resultados. Para se ter uma idéia, nem a verba anual destinada ao pólo é de conhecimento de algum profissional ligado ao pólo. A verba é utilizada e remanejada entre os esportes de acordo com o que for mais conveniente ao presidente.
Pólo Ceará - Um cara que chegou ao seu nível deveria ser conhecido no seu país, mas não é. Os clubes não investem muito, a mídia ignora as competições de Pólo
Aquático. Você, até mesmo pela visão de publicitário, não acredita que, se
"embalado" direitinho, esse produto possa ser melhor vendido?
Beto - Isso é um ciclo vicioso. Nós jogamos pouco durante o ano e nossos principais campeonatos são jogados em um ou dois finais de semana. Com isso, além dos problemas de motivação e de estímulo aos atletas, que por muitas vezes ficam meses sem fazer um jogo oficial, o problema maior é que não se tem visibilidade. Sem visibilidade na mídia, os clubes não conseguem
patrocínios.
E sem verba, os clubes ficam sujeitos a jogarem apenas esses campeonatos de final de semana, porque não teriam condições de arcar com os custos de um campeonato mais longo e também porque não precisam dar retorno a um possível patrocinador que investe na sua equipe.
Um campeonato nacional de quatro meses e com datas bem definidas poderia ter um jogo por semana ou quinzena transmitido por uma rede de tv fechada, além de uma cobertura muito maior da mídia impressa também. Seria mais fácil para os clubes tentarem atrair investidores, e ao mesmo tempo, colocaria o esporte mais em evidência. Logicamente o papel da assessoria de imprensa declubes e confederação nesse processo seria importante.
Infelizmente, num primeiro momento, os clubes não têm condições de bancar um campeonato de quatro meses. Para dar o passo inicial seria necessária a ajuda externa. O apoio da Confederação nesse processo é fundamental. E, depois de um ou dois campeonatos, os clubes já teriam que, obrigatoriamente, ser capazes de bancar esse campeonato. Isso não somente
aumentaria a visibilidade do pólo como também fortaleceria os clubes, que são a base do esporte aqui no Brasil.
Pólo Ceará - Já vi aqui em Fortaleza que diversos atletas com resultados
inexpressivos ganham a bolsa-atleta, negada a você e a outros jogadores. Sinceramente desconheço os critérios. O que houve para vocês serem vetados?
Beto - Em resumo, nesse primeiro ano de contemplação de bolsas, a burocracia, a sorte e a influência prevaleceram. O fato é que um projeto como esse não pode ser executado de maneira independente. O Ministério estipula critérios e prioridades, mas não possui conhecimento sobre as mais diferentes modalidades. Não se pode avaliar atletas sobre os quais você não possui
conhecimento algum. Por isso, é necessário que, para cada esporte, a Confederação correspondente seja consultada para que a contemplação não fique sujeita a critérios aleatórios. E não foi o que aconteceu. No nosso caso, foi alegado um problema burocrático referente a itens do formulário e documentos.
Pólo Ceará - Você, Kiko, Michel, Lacativa e outros foram revelados juntos. Tudo bem que o Guanabara tivesse a tradição de revelar excelentes jogadores e fosse
que meio que o segundo time de todo mundo, aquele que sempre teve um
pessoal legal. Mesmo assim, o que motivou tanta sinergia nessa sua geração?
Beto - São vários fatores. Começando pela dedicação e capacidade dos técnicos, principalmente na base. Eu me lembro que quando o Carlinhos chegou ao clube, a equipe de infanto perdeu de 16 x 1 para o Flamengo. No final do ano, essa mesma equipe foi à final e ganhou por um gol. Ele, além de dedicado, é um aficionado pelo pólo e conseguiu dar uma levantada na molecada do GB como um todo.
Havia também uma integração muito grande entre os jogadores adultos e a garotada. Eles sempre passaram uma confiança muito grande para todos. Eu me lembro do Perrone insistindo para que a gente arriscasse mais os chutes mesmo quando ainda éramos bem moleques “infiltrados” no meio dos adultos; do Pará, que ficava até tarde da noite para agarrar o nosso chute a gol (uns 3 ou 4 moleques que mal conseguiam fazer um gol nele). Todos sempre deram
força para a “pirralhada”. Enfim, havia esse clima de se preservar e prestigiar a molecada.
Por último, nós éramos muito “fominhas” de treino. Como já foi dito aqui, em outras entrevistas, pelo Kiko e pelo Michel, nós sempre ficávamos depois do treino para chutar a gol. Durante um bom período, o então diretor do Guanabara e ex-jogador da seleção, o “Barriga”, caía sempre na água para nos ensinar, e foi, certamente, um dos caras que mais nos ajudou nessa época. Ele nos fazia chutar de todas as posições, de primeira ou balançando a bola. Nós ficávamos até a luz apagar. Mas não era só isso. A gente chegava no clube, às vezes, 5 da tarde e já caía na água para bater uma bola oufazer a famosa “linha de passe”, e depois treinávamos.
Quando acabava a gente ficava esperando uma brecha no treino do adulto, ou pra jogar um
pouquinho ou então para chutar nos intervalos entre um ataque e outro do coletivo. Nós éramos viciados mesmo, prestávamos atenção no estilo dos outros jogadores, no que dava para ser feito e tentávamos copiar algumas coisas. Na bem da verdade, todos esses são hábitos trazidos até hoje.
Pólo Ceará - O que está acontecendo com o Guanabara?
Beto - O Guanabara perdeu, num período de 2 anos, 90% dos seus jogadores. Isso é uma situação difícil de se reverter. O GB está tendo que começar do zero. Alguns jogadores voltaram ao clube e se juntaram aos que já estavam por lá. É natural que se leve um certo tempo até que o Guanabara volte a ter os mesmos resultados de antes.
Pólo Ceará - Você tem sido artilheiro de muitas competições, mesmo das últimas que participou. Vou te fazer uma pergunta que fiz ao Daniel: depois de tanto tempo e tantas dificuldades, a vontade de treinar e jogar ainda são as mesmas?
Beto - São ainda maiores. Cada campeonato e cada jogo é uma história diferente.Não vale o que você fez, mas o que você vai fazer. Hoje, eu me sinto mais confiante e motivado. Temos objetivos bem claros pela frente e precisamostreinar muito para termos condições de conquistá-los. Apesar de todos osproblemas, quando começam os campeonatos, nós atletas que somos cobrados. Cabe a nós acreditar e treinar. Certamente, em alguns momentos, o descaso com o que o pólo é tratadodesanima um pouco. Mas apesar de todas as dificuldades, eu treino e jogo porque gosto. Além disso, o "treinar" não engloba somente a parte física, técnica e tática. Existe um clima de descontração e amizade no nossodia-a-dia.Os treinos fazem bem também para a cabeça.
Pólo Ceará - Alguns nomes que deram entrevista por aqui, como o Duda, indicaram você como um dos melhores jogadores com quem eles jogaram. Qual é a maior recompensa de tanta dedicação ao Pólo Aquático?
Beto - Essas coisas de indicar alguns jogadores como melhores, às vezes são indiscutíveis, como no caso, por exemplo, do Kiko e do Felipe atualmente, mas muitas vezes é relativa e se leva em conta também a amizade e o convívio que se teve com determinadas pessoas. Alguns dos jogadores que eu considero como melhores são, acima de tudo, pessoas que eu admiro, amigos de time e de seleção.
Logicamente, nós buscamos sempre vitórias e títulos, mas, sem dúvida alguma, o que fica na nossa memória, predominantemente, são os amigos e as histórias por trás dos jogos e campeonatos. Quando a galera se junta e começa a conversar, normalmente vem à tona aquelas mesmas histórias sobre o que um falou, ou o que o outro fez, as confusões e tudo mais. A verdade é que a maior recompensa de tudo isso é você poder sentar com os seus amigos e relembrar desses momentos; além de poder compartilhar com a garotada que
joga com você várias coisas relacionadas ao pólo, seja durante os treinos ou fora deles.
Beto - Se a gente pensar só nas dificuldades a gente não sai do lugar. Vocês estão dando um exemplo disso. Um Circuito com 11 times no masculino e 6 no feminino, independente do resultado, já é um sucesso, ainda mais quando não se tem muito apoio.
Eu tive contato com o Marcus Boulitreau, na Universíade de 2001. É um cara que não desanima e está sempre disposto a ajudar. Eu vejo algumas pessoas individualistas que só se lamentam e culpam outros por seus fracassos, quando podiam “baixar a bola” e tentar ajudar; outras se tornaram especialistas em criticar sem saber, falam com a propriedade de quem conhece a razão de todos os problemas, mas no fundo não tem noção do que se passa; sem contar com uma meia dúzia de recalcados que vivem de “meter o malho” em tudo e em todos para descontarem suas frustrações.
O que eu estou querendo dizer é que só criticar é muito fácil. “Malhar” tudo e todos é cômodo. É necessário cobrar e exigir ações mais efetivas sim, mas temos que ser coerentes e fazer a nossa parte primeiro, da melhor maneira possível.
Fora isso, é encarar o esporte primeiramente como uma diversão. Se você não tiver prazer em treinar ou estiver num ambiente ruim tudo fica mais difícil. É importante também sempre procurar ouvir o que as pessoas têm a dizer e observar bastante os outros jogadores. A gente aprende muito com os companheiros e com os adversários.
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